São raras na Justiça do Trabalho mineira as situações em que o
trabalhador exerce o seu legítimo direito de resistência em relação a
uma ordem injusta do empregador. Isso porque existe, no mercado de
trabalho, uma cultura segundo a qual o empregado deve cumprir sem
restrições todas as determinações e regras impostas pelo empregador.
Existe, ainda, o maior temor da classe trabalhadora nos tempos atuais: o
medo do desemprego. Via de regra, o empregador possui ampla liberdade e
autonomia para gerir seu negócio, segundo seus próprios critérios de
auto-organização. Nesse sentido, o empresário não está obrigado a
fundamentar os motivos da dispensa de seus empregados, desde que lhes
sejam pagas corretamente as verbas rescisórias.
Desse modo, o
direito de dispensar empregados sem justa causa faz parte do poder
diretivo do empregador. Entretanto, esse poder patronal não é ilimitado.
Apesar de a legislação brasileira autorizar a dispensa imotivada de
empregados, é considerada arbitrária a dispensa que tem como pano de
fundo discriminação, retaliação ou represália. Nesse contexto, a
existência de um contrato de emprego não significa um estado de completa
sujeição do trabalhador ao empregador. Faz parte do poder do empregado a
prática do direito de resistência. Portanto, a recusa ao cumprimento de
ordens ilícitas representa o exercício regular de um direito e não gera
falta trabalhista ao empregado.
No julgamento de uma ação
ajuizada perante a Vara do Trabalho de Ponte Nova, a juíza titular
Ângela Castilho Rogedo Ribeiro concluiu que o empregado exerceu o seu
legítimo direito de resistência ao se recusar a desempenhar suas funções
em um ambiente de trabalho inadequado. Depois de reivindicar, de forma
pacífica, melhores condições de trabalho, o auxiliar de produção obteve
como resposta a sua dispensa sem justa causa. Pelo que foi apurado no
processo, em virtude do desabamento do teto da área de estocagem do
frigorífico, houve a ruptura da tubulação do gás amônia, que se espalhou
pelo local, deixando o ambiente de trabalho com um forte odor de
amônia. Então, o reclamante, junto com um grupo de trabalhadores,
dirigiu-se ao setor de recursos humanos da empresa, a fim de relatar o
ocorrido e pedir providências, uma vez que não havia condições de
permanência no local de trabalho. Alguns empregados continuaram a
trabalhar naquelas condições por ordem de encarregados da empresa.
Outros, dentre os quais o reclamante, cessaram suas atividades e saíram
de seus setores. Em defesa, o frigorífico alegou que o trabalhador foi
dispensado por razões meramente administrativas e não por retaliação.
Ainda de acordo com as alegações patronais, o parecer emitido pelo
médico do trabalho da empresa atestou que o vazamento de amônia não era
prejudicial à saúde dos trabalhadores.
Em sua sentença, a juíza esclareceu que poder diretivo é o
¿direito do empregador de administrar o seu empreendimento econômico,
organizando os fatores de produção. Com base nele o empregador comanda a
prestação de serviços de seus empregados, sendo-lhe facultado fixar
regras internas (poder regulamentar), exercer fiscalização (poder
fiscalizatório) e aplicar sanções disciplinares (poder disciplinar)¿ .
De acordo com as ponderações da magistrada, o parecer sobre o incidente
elaborado pelo médico do trabalho da empresa é insuficiente como prova e
deve ser analisado com cautela. Primeiro, porque existe subordinação
jurídica do profissional em relação à empresa, presumindo-se que a sua
avaliação não foi realizada com total imparcialidade. Segundo, porque o
parecer foi baseado apenas na percepção sensorial do médico, sem
qualquer amparo em medições, perícias ou análises para averiguação da
qualidade do ar e das condições de saúde e segurança nos locais de
trabalho.
Entretanto, a questão menos importante, no entender da
julgadora, é saber se o local do acidente estava ou não em condições de
trabalho, pois o que conta aqui é a análise da adequação da resposta
dada pela empresa à reivindicação dos empregados. Nesse sentido, um fato
¿curioso¿ que chamou a atenção da juíza foi a dispensa de vários
empregados no mesmo dia do acidente, incluindo o reclamante, sendo que
todos faziam parte do grupo de trabalhadores que se dirigiu ao setor de
recursos humanos, com o intuito de expor a situação e reivindicar
melhores condições de trabalho.
Para a magistrada, é evidente o
abalo moral experimentado pelo trabalhador, que teve frustrado o seu
direito de resistência e ainda teve que enfrentar uma situação de
desemprego. Assim, concluindo que a resposta desproporcional da empresa,
em forma de represália, feriu a dignidade do trabalhador, a juíza
sentenciante condenou o frigorífico ao pagamento de uma indenização por
danos morais, fixada em R$10.000,00. Os fundamentos da sentença foram
confirmados na decisão de 2ª instância, apenas com a modificação do
valor da indenização para R$5.000,00.
( nº 01671-2008-074-03-00-3 )
0 Comentários. Comente já!:
Postar um comentário