segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

Juiz se baseia em gestos, entonação e indícios para caracterizar assédio moral

Passam de 200 mil as novas reclamações trabalhistas que dão entrada na Justiça do Trabalho de Minas todos os anos. Boa parte delas contêm denúncias de assédio moral praticado pelos empregadores e seus prepostos contra os trabalhadores. Para os juízes, a grande dificuldade desse tipo de processo é a constituição da prova, já que quem pratica o assédio geralmente não deixa pistas concretas. Muitas vezes, o que se tem é a palavra de um contra o outro, testemunhas amedrontadas que pouco falam ou indícios não verbais, a que o julgador tem de estar atento, pois é com base neles que vai ter de decidir a demanda.

O juiz José Nilton Ferreira Pandelot, titular da 1ª Vara Trabalhista de Juiz de Fora, analisou um desses casos, em que o trabalhador alegou ser vítima de assédio moral por parte do seu supervisor, em episódios que se caracterizariam pela perversidade. Ele disse ser sempre ridicularizado e perseguido pelo supervisor que, após ameaçar prejudicá-lo, determinou a sua transferência para o turno diurno, sabendo que ele havia contraído empréstimos contando com o adicional noturno para quitá-los. A reclamada negou que tivesse havido qualquer perseguição contra o autor e argumentou que mudança de turno e cobranças no serviço são inerentes ao ambiente de trabalho e à subordinação.

Ao analisar a questão, o juiz afastou a possibilidade de utilização, como prova, da gravação de conversa particular entre o autor e outro empregado da ré. Ele considerou o fato de que a gravação foi obtida sem o consentimento do interlocutor, que é um terceiro (pessoa que não é parte na demanda). Isso torna a prova ilícita, por violar a intimidade de terceiro: ¿A Constituição da República, em seu art. 5º, inciso LVI, estipula, como garantia fundamental, a vedação do uso em processo de provas obtidas por meio ilícito. Assim, o art. 332 do Código de Processo Civil prescreve como hábeis a provar a veracidade dos fatos todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados, o que enseja, por força da interpretação a partir da Constituição, a certeza da ilicitude da prova obtida em desrespeito a tais balizas legais e éticas¿ , ponderou. Como a Constituição prescreve também, como garantia fundamental, a inviolabilidade da intimidade, vida privada, honra e imagem das pessoas (art. 5º, X), ele julga maculadas pela inconstitucionalidade todas as provas obtidas por meios que violem essa garantia.

Entretanto, o magistrado considerou outros indícios e evidências do caso concreto e concluiu que, de fato, o trabalhador sofreu o assédio moral alegado. Para tanto, empreendeu um estudo complexo de todos os elementos colhidos no conjunto probatório, inclusive a fala, o olhar e a entonação dada a uma única palavra, no depoimento prestado pelo supervisor.

De acordo com o juiz, o processo do trabalho não comporta a regra clássica da distribuição do ônus da prova (pela qual, aquele que alega é que tem de provar), pois aqui é grande a desigualdade real das partes. Ele aplica, então, o princípio da aptidão para a prova, pelo qual se verifica, no caso concreto, qual a parte está apta a produzir a prova ¿ e esta, na situação analisada, seria a empregadora. Na percepção do magistrado, entretanto, a ré não se desobrigou do seu encargo.

Ao contrário, a segunda testemunha levada pelo reclamante confirmou a perseguição e o caráter perverso da conduta do superior hierárquico. Entre as muitas perseguições, o supervisor impedia a utilização do rádio-comunicador entre os vigilantes para comunicar a sua aproximação do posto onde se encontrava o autor. O objetivo era claro: sempre encontrar o reclamante de surpresa, mantendo-o em constante estado de alerta e em sobressalto. No entender do juiz, isso caracteriza atuação abusiva de fiscalização e configura típico terror psicológico. ¿Observe-se, neste particular, que a intenção do preposto da ré, superior do autor, seria a destruição da auto-estima, da dignidade e da integridade psíquica do obreiro, pela adoção de sistema perverso de gestão, ainda que individual¿ , destacou.

Também a mudança de turno foi tida como discriminatória, já que causou redução salarial e a ré não apresentou qualquer justificativa para essa prática, que não era comum na empresa. Embora essas alterações se insiram no poder diretivo do empregador, como se estava investigando a prática de ato ilícito por parte do supervisor, cabia à empresa a motivação precisa para demonstrar a regularidade da conduta adotada. ¿Aqui, a aptidão para a prova, como dito antes, é do empregador, não sendo possível ao empregado produzir, em princípio, a prova da eventual discriminação.¿

Mas a prova crucial para a solução do caso foi encontrada no depoimento do próprio supervisor como testemunha da ré, ou melhor, em uma única palavra dita por ele, como conta o juiz: ¿As singelas respostas às perguntas não teriam maior destaque não fosse a ênfase dada pela testemunha na última resposta. A pergunta foi direta e seca: o senhor já puniu o reclamante? A resposta da testemunha, após olhar para o autor, foi: ainda não¿ .

O magistrado cita o artigo 131 do CPC, pelo qual o juiz deve apreciar a prova livremente, atentando aos fatos e circunstâncias que constam no processo, ainda que não textuais ou não alegados pelas partes, desde que indique na sentença os motivos que formaram o seu convencimento. E, ao colher pessoalmente o depoimento do supervisor, o juiz pôde captar a ênfase dada à sua resposta, avaliar a entoação ou gestual diferenciado, o olhar da testemunha para o autor, elementos a que ele confere uma valoração diferenciada que vai ser decisiva na formação do seu convencimento. ¿É certo que não se assemelham o 'ainda não' da testemunha com o ¿não chore ainda não...¿ de Chico Buarque de Holanda, nem se está julgando o que a testemunha ou suposto algoz pretende fazer, mas sim o que efetivamente praticou no período anterior ao ajuizamento da ação. Neste aspecto, percebe-se da frase ¿ainda não¿ a nítida ideia de ameaça futura, mas também dela se extrai ¿ pela cadência, andamento, ritmo e contexto em que foi dita ¿ a confirmação das práticas passadas, como a imposição ao obreiro de permanente estado de tensão¿ , conclui.

Portanto, convencido da prática de assédio moral por parte do preposto da ré e sendo legalmente admitida a responsabilização do empregador pela culpa na escolha e na fiscalização de seus prepostos (Súmula 341 do STF), o juiz condenou a empresa a pagar ao reclamante uma indenização por dano moral fixada em R$15.000,00, valor esse que considerou uma ¿sanção pedagógica¿ para que o empregador passe a adotar as medidas necessárias para fazer cessar as atividades, procedimentos e rotinas prejudiciais ao trabalhador e a investir em um ambiente de trabalho saudável.
( nº 01335-2007-035-03-00-7 )

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