quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

JT é competente para julgar lide entre trabalhador e ente público quando há controvérsia acerca do vínculo


Em 2010, a 2ª Vara do Trabalho de Varginha recebeu várias ações de trabalhadores contratados sem concurso público para prestarem serviços em benefício da Fundação Hospitalar do Município de Varginha - FHOMUV. Uma dessas ações foi ajuizada por uma atendente de enfermagem. Em 2006, o Supremo Tribunal Federal, ao apreciar a medida cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3.395-6, referendou medida liminar concedida pelo Ministro Nelson Jobim que, interpretando o inciso I, do artigo 114, da Constituição, considerou não abrangidas na competência da Justiça do Trabalho as ações envolvendo os entes da Administração Pública e seus respectivos servidores. Com a evolução da jurisprudência nesse sentido, surgiu a interpretação segundo a qual ações dessa natureza não são oriundas da relação de trabalho e, portanto, fogem da órbita da competência da JT, inserindo-se na competência da Justiça Comum. Entretanto, a juíza Laudenicy Moreira de Abreu, titular da Vara, trouxe uma interpretação diferente acerca desse caso especial, que envolve a atendente de enfermagem e a FHOMUV. No entender da magistrada, a JT é competente para apreciar e julgar a ação proposta, tendo em vista que ela não envolve servidor público submetido ao regime estatutário e com relação jurídico-administrativa.
Analisando a legislação pertinente, a juíza explicou que o inciso II, do artigo 37, da Constituição proíbe a contratação de pessoal pelos órgãos públicos sem prévia aprovação em concurso público, exceto nos casos de nomeações para cargos em comissão de livre nomeação e exoneração e os casos estabelecidos em lei de contratações por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público. A Lei Municipal 2.673/95 trata do Estatuto do Servidor Público do Município de Varginha, das Autarquias e Fundações Públicas Municipais. O Estatuto da FHOMUV, no artigo 25, autoriza a contratação de servidores pelo sistema de mão-de-obra temporária para atender necessidades especiais e de urgências. Entretanto, conforme verificou a juíza, a atendente de enfermagem foi contratada de forma irregular, não se inserindo nas hipóteses de contratação de pessoal previstas na Constituição e no Estatuto da reclamada, quais sejam, aprovação em concurso público, cargo em comissão e contratação temporária para atender necessidade especial e urgente.
Nesse sentido, a magistrada reiterou que a atendente de enfermagem não prestou concurso público nem ocupou cargo em comissão. Mas, trabalhou para a reclamada por longo período, de 1997 a 2010, o que, por si só, afasta a suposta natureza temporária e excepcional da contratação. Além disso, lembrou a juíza que, ao exercer a função de atendente de enfermagem, a reclamante ativou-se em tarefas ligadas à necessidade normal e permanente do hospital, o que também afasta o caráter excepcional da contratação. E, considerando que não foram observados os requisitos mencionados para contratação de pessoal, a julgadora entende que não se aplica, no caso, o regime jurídico estatutário instituído para os servidores municipais, abrangendo aqueles da reclamada. Portanto, na visão da magistrada, a reclamante não se insere no conceito de servidora estatutária. Para reforçar essa tese, a juíza ressaltou que a atendente de enfermagem, durante todo o período contratual, em nenhum momento recebeu tratamento estatutário. Ao contrário, ela foi o tempo todo considerada pela reclamada como empregada, sob o regime celetista, com anotação do contrato de trabalho na CTPS, vinculação ao regime previdenciário, recolhimento de FGTS e pagamentos típicos da relação de emprego. No entender da magistrada, o caso analisado atrai a incidência do disposto no artigo 114, inciso I, da Constituição, que insere na competência material da Justiça do Trabalho ¿as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público¿ .
Portanto, conforme concluiu a juíza, trata-se de típica relação de trabalho, em sentido amplo. Com base nesse entendimento, salientou a julgadora que a liminar concedida pelo STF na ADI 3395-6, confirmada em julgamento pelo Pleno, em nada altera esse posicionamento, tendo em vista que o caso analisado é diferente daquelas situações que o STF entendeu estarem excluídas da apreciação da Justiça do Trabalho. Por esses fundamentos, a juíza sentenciante rejeitou a preliminar de incompetência da JT para julgar a demanda, invocada pela FHOMUV, e a condenou ao pagamento de salários devidos, horas extras, além do FGTS.
( nº 00749-2010-153-03-00-4 )

0 Comentários. Comente já!:

Postar um comentário