Ao reconhecer a ocorrência de crime continuado, o julgador pode reunir os processos para otimizar a instrução, com exceção daqueles já julgados em primeira instância. Com esse entendimento, a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou habeas corpus impetrado em favor do advogado Ézio Rahal Melillo.
O advogado foi indiciado em aproximadamente mil inquéritos policiais, dos quais resultaram mais de 600 denúncias, por violação aos artigos 304 (uso de documento falso), 299 (falsidade ideológica) e 171, parágrafo 3º (estelionato contra entidade de direito público), todos do Código Penal.
Todas as denúncias tiveram relação com a apreensão de cerca de mil carteiras de trabalho no escritório de um corréu, com registros de vínculos empregatícios falsos, utilizadas para a obtenção de benefícios previdenciários. O advogado foi condenado em 12 ações penais, dentre as mais de 600 abertas contra ele.
Com um habeas corpus impetrado no Supremo Tribunal Federal (STF), o advogado obteve o direito de que todos os processos em seu nome fossem julgados perante o mesmo juízo, tanto os referentes aos documentos apreendidos, quanto os instaurados pelo Instituto Nacional do Seguro Social.
Condenação
Com base nessa decisão, o juízo de primeiro grau determinou a reunião de todos os processos e inquéritos policiais em andamento, com exceção daqueles já julgados em primeira instância. Com isso, Ézio Rahal Melillo foi condenado à pena de seis anos e oito meses de reclusão, além de 221 dias-multa.
Posteriormente, a defesa do advogado impetrou habeas corpus no Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3), requerendo a unificação dos processos. Em seu entendimento, as ações penais já sentenciadas, em grau de apelação, deveriam integrar o mesmo bloco das julgadas em conjunto, seguindo-se uma só condenação, com a manutenção da pena aplicada pelo magistrado.
O TRF3 negou o pedido, argumentando que os processos já sentenciados não poderiam ser incluídos no bloco. Em seu entendimento, a possibilidade de que processos conexos sejam unificados deve ser analisada com base no artigo 82 do Código de Processo Penal (CPP). De acordo com o dispositivo, se em um dos processos já houver sido proferida sentença definitiva, a unificação não deverá ser feita.
Quanto ao termo “sentença definitiva”, previsto no artigo mencionado, o tribunal explicou que tanto a doutrina como a jurisprudência entendem que se trata da sentença proferida pelo juiz de primeiro grau e não necessariamente de trânsito em julgado.
Mesmos argumentos
Insatisfeita, a defesa impetrou habeas corpus no STJ e reiterou seus argumentos. Sustentou ainda que a regra do artigo 82 do CPP não deveria ser aplicada em sua literalidade, pois, para ela, o artigo só afasta a avocação dos processos com decisões transitadas em julgado, o que não ocorreu em nenhum deles.
Mencionou que, caso não ocorra a unificação de todos os processos, a pena será muito superior à que o réu foi condenado. Pediu, subsidiariamente, a suspensão de todos os demais processos até o julgamento definitivo do processo principal.
Para o ministro Og Fernandes, relator do habeas corpus no STJ, não há irregularidade a ser sanada na decisão do TRF3. Em seu entendimento, não resta dúvida de que a reunião dos processos referentes ao advogado é inviável.
Ele explicou que a unificação serve para facilitar a instrução dos processos, “otimizando a colheita de provas e promovendo o mais completo aproveitamento dos atos processuais, de forma a se chegar a um julgamento único. Sua utilidade, portanto, está intrinsecamente relacionada com a fase processual em que se encontram as ações penais para as quais se deseja um julgamento conjunto, bem como à conveniência de sua reunião, tudo visando otimizar a instrução”.
Limitação
O ministro mencionou que a providência sofre uma limitação quanto à fase processual em que se encontram as ações conexas, “não podendo alcançar os processos já sentenciados”. Para tanto, ele explicou que basta a prolação da sentença, não havendo necessidade de que tenha transitado em julgado.
Og Fernandes citou a Súmula 235 do STJ, segundo a qual, “a conexão não determina a reunião dos processos, se um deles já foi julgado”.
Afirmou que o julgador não é obrigado a determinar a reunião dos processos no momento em que reconhece a ocorrência de crime continuado entre as condutas praticadas. Essa determinação “decorre de juízo de conveniência e oportunidade a ser realizado pelo próprio julgador”.
Para ele, tudo isso seria suficiente para negar o pedido de habeas corpus. Entretanto, o relator fez mais uma ponderação. Segundo o ministro, “a verdadeira intenção da presente impetração consiste em extirpar do mundo jurídico as condenações nas ações autônomas a que respondeu o paciente, fazendo com que elas sejam absorvidas pela sentença que reconheceu a continuidade delitiva”.
Ele entendeu que isso implicaria absolver o réu naquelas ações já sentenciadas e em grau de apelação, providência impossível de ser adotada pelo STJ em julgamento de habeas corpus. “Não vejo como desconstituir as condenações a que se alude se nenhuma nulidade foi apontada, nem sequer verificada”, disse.
“Por outro lado, não causa prejuízo ao paciente, pois, de todo modo, poderá ser ele beneficiado com a unificação das penas, caso ocorra trânsito em julgado das decisões desfavoráveis, a ser realizada pelo juiz das execuções”, concluiu.
Coordenadoria de Editoria e Imprensa
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