LÉO ROSA DE ANDRADE
Doutor em Direito pela UFSC. Psicólogo e Jornalista. Professor da Unisul.
www.leorosa.com.br
Houve um tempo em que o mundo estava em “guerra fria”. Foi o tempo seguinte ao da Segunda Guerra Mundial, quando o conflito foi quente. As influências norte-americana e soviética dividiam pessoas, países e até continentes entre o bem e o mal. Um maniqueísmo se estabeleceu e passou a ser gerenciado por manobras ideológicas, ou tanques militares. Havia iludidos que acreditavam na verdade revelada de um ou de outro sistema. Morriam tocados por sua fé. E existia – alguns enganados, mas a maioria oportunista – quem matasse por isso. Esses, normalmente, eram pagos.
Quando grande parte das pessoas raciocinava nos limites dessa dicotomia, tudo parecia mais fácil. Havia o certo, havia o errado. O meu lado era o certo, o do outro, o errado. Vencida essa época e esse “modo de pensar”, as coisas se complicaram um tanto. Fala-se em perda de valores, ou de referências. Claro, caíram as certezas, então, os que necessitavam de um mapa com a indicação da verdade desnortearam-se. Há militantes desses credos de salvação da vida que, desfalcados de seus falecidos alinhamentos, jamais souberam se reencontrar.
Prefiro o mundo assim: em aberto, sob invenção permanente. História sem nenhum sentido além daquele que advenha dos conflitos humanos. E quanto mais contribuições, melhor. Esse mundo em aberto, contudo, tem um obstáculo, ou um problema que, por tão-só existir, solapa suas entranhas, nega-o: a censura a ideias. Para mim, quaisquer ideias, menos aquelas que proponham cercear o direito de tê-las, formulá-las e expô-las, merecem ser apreciadas e, eventualmente, reconhecidas como contribuições aos feitios prazerosos de convivência.
Não nos damos muita conta, mas permanecem muitos feitios de controlar pensamento. O mais eficiente talvez seja a não educação de pessoas. Não creio em conspiração, mas é constatável que o cotidiano das multidões em grande parte do mundo é alienante, ou bestificador. É um controle sem ostentação. Governam-se ideias pela abstração de ideias. Não penso que seja identificável um culpado por isso. É uma questão antiga, uma inacabável discussão sobre se o povo demanda tolices ou se tolices são lançadas ao entretenimento do povo. Importa dizer, de toda forma, que ignorantes não incomodam no essencial.
Bem, quando o mundo era repartido em duas bandas, ambas deliravam sobre “como aniquilar o inimigo”. Seria necessário criarem-se as condições oportunas para deflagrar o ataque. A realidade material, moto próprio, desencadearia os fatos. O indivíduo nada podia. Esse “método interpretativo” prevaleceu entre boa parte da intelligentsia brasileira e justificou muita inação. Claro, a concretude das circunstâncias é inafastável. Sem levar em conta a realidade, não se vence a realidade. Não é correto, contudo, esperar que ela produza espontaneamente a sua superação. Mesmo suas contradições, muitas vezes, são capitalizadas para mantê-la.
Alguns indivíduos, contudo, discrepam dessa lógica determinista. Empolgam a conjuntura e põem a história para andar. São personalidades que resistem, complicam, desconfortam a ordem. Um cubano se deixa morrer de fome, um cineasta é assassinado por um fanático, um romancista publica um livro, um internauta divulga “segredos de Estado”, um cientista formula uma pílula e liberta o corpo feminino, um jornalista denuncia desmandos, uma cantora encena sexo no palco. Agora vem esse comitê responsável pela eleição do Nobel da Paz e escolhe, já pela terceira vez, um desses desobedientes. Um desatino. O último eleito nem vai buscar o prêmio. Está preso por defender ideias.
0 Comentários. Comente já!:
Postar um comentário