A restituição devida ao consumidor pelo financiamento das redes de eletrificação rural depende da natureza da obra custeada e dos limites da responsabilidade da concessionária estipulados em acordo e conforme a legislação que regia a matéria à época. O entendimento é da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao apreciar recurso em que um consumidor do Rio Grande do Sul reivindicava devolução de valores pagos em decorrência de contrato celebrado em 1989.
O consumidor solicitou a extensão da rede de energia elétrica à época em que a legislação facultava sua participação no empreendimento e, como não foi ressarcido pelo investimento, ingressou com ação de cobrança na Justiça contra a Companhia Estadual de Energia Elétrica do Rio Grande do Sul (CEEE). Ele pedia a anulação de cláusulas firmadas com a concessionária de que não haveria a devolução dos valores gastos em adiantamentos pelas obras, com base no Código de Defesa do Consumidor.
O juízo de primeiro grau condenou a empresa a devolver os valores gastos na obra de eletrificação rural, mas o Tribunal de Justiça do estado reformou parcialmente a sentença, com o entendimento de que não caberia reembolso dos valores fixados no termo de contribuição. Segundo o relator da matéria no STJ, ministro Luis Felipe Salomão, a questão da eletrificação rural e o respectivo reembolso dos valores financiados pelo consumidor no Brasil devem ser entendidos conforme o contexto da época.
Década de 80
Na década de 80, o Brasil estava defasado em sua rede elétrica e a extensão dessa malha, segundo o ministro, dependia do capital privado. A Constituição de 1988 previu no art. 187 a participação do setor de produção. A primeira lei que tratou da matéria da extensão das redes rurais, de acordo com o ministro, foi o Decreto 41.019/57, que trouxe hipóteses de custeio de responsabilidade exclusiva da concessionária e hipóteses em que o consumidor contribuía para a expansão sozinho ou em concorrência com a companhia.
Conforme o Decreto 41.019/57, a concessionária tinha responsabilidade pela expansão da rede se construída dentro da área acordada com a prefeitura. Fora dessas áreas, obedeceriam limites de investimentos de acordo com o nível de tensão. O particular contribuía com o investimento se quisesse ter energia ou executava as próprias obras, que seriam repassadas ao patrimônio da concessionária. O ministro Salomão assinala que o Decreto 83.269/79 preservou esse mecanismo e, o Decreto 98.335/89 também previu hipóteses em que a extensão da rede seria custeada ora pelo concessionário, ora pelo consumidor, ora por ambos.
A Lei 10.438/02 revogou a cobrança de participação financeira do consumidor, permitida apenas a faculdade de financiamento por aquele que desejasse antecipar seu atendimento, tendo a concessionária que devolver os valores despendidos pelo consumidor. A Lei 10.762/2003, segundo o ministro Salomão, também possibilitou, em alguma medida, a participação financeira do consumidor na construção da rede elétrica rural, sobretudo para antecipação do atendimento solicitado.
Caso em análise
No recurso apreciado pelo STJ, os contratos com a concessionária de energia elétrica foi firmado em 1989 e na vigência do Decreto 41.019/57. Segundo o ministro, não se pode aplicar o Código de Defesa do Consumidor à matéria, como solicitado pela parte, e mesmo que possível, as cláusulas que determinam a retenção dos valores pagos não seriam automaticamente abusivas.
É que o Código prevê que, para ficar caracterizado o abuso, deve se levar em conta a disponibilidade do produto pelo fornecedor. “No caso da energia, a disponibilidade é definida por normas do poder concedente, com base em políticas públicas de expansão e universalização do serviço, circunstância que pode gerar mesmo, como visto, a necessidade de participação do próprio consumidor”, assinalou o ministro.
No recurso analisado pelo STJ, a decisão do Tribunal de Justiça não deixa clara a natureza da obra, tampouco explicita a extensão da responsabilidade da concessionária e do consumidor na construção da rede. Sabe-se apenas que o consumidor pagou a integralidade da obra. “A retenção de parte dos valores, em tese, seria lícita”, disse o ministro. “Caso se tratasse de obra para cujo custeio devessem se comprometer conjuntamente, consumidor e concessionária”.
Em razão da particularidade do caso, a Quarta Turma não conheceu do recurso, o que significa que prevalece a decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS).
Coordenadoria de Editoria e Imprensa
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