O médico obstetra Oscar de Andrade Miguel foi condenado a cinco anos de reclusão, em regime semi-aberto, por lesão corporal de recém-nascido, resultando em incapacidade permanente para o trabalho, enfermidade incurável e perda ou inutilização do membro, sentido ou função (Art. 129, § 2º, incisos I, II e III do Código Penal). A decisão, unânime, é dos integrantes da 3ª Câmara Criminal do TJRS, reformando sentença proferida pelo Juiz de Direito Carlos Francisco Gross, que absolveu o réu por insuficiência de provas.
Caso
Na manhã do dia 13/02/2000, o médico feriu a integridade corporal do bebê, produzindo-lhe lesão corporal de natureza gravíssima, o que causou perigo de vida e incapacidade permanente em razão de lesão cerebral irreversível. Na ocasião, o obstetra induziu, antecipando injustificadamente o parto que se anunciava normal, utilizando Misoprostol (conhecido como Cytotec), sem conhecimento da parturiente ou seu marido. O medicamento, cuja venda é restrita a hospitais cadastrados e credenciados junto à Autoridade Sanitária, por força da Portaria 344/98 do Ministério da Saúde, é conhecido como abortivo. Além disso, a substância é considerada experimental em obstetrícia e não foi liberada pelo FDA (órgão americano de controle de medicamentos) para qualquer uso na gestação.
Contudo, o obstetra não teve dúvida em ministrar a droga simplesmente para contornar problema de férias dos profissionais da medicina na época em que o parto deveria ocorrer de maneira natural. A vítima tinha data de nascimento prevista para 22/02, mas a gestante foi convencida pelo médico a fazer um parto induzido. O procedimento facultaria programar o parto, tendo em vista que já se observava maturidade fetal, e organizar a equipe médica, uma vez que se encontrava em mês de férias.
Embora com alguma resistência, a gestante recebeu das mãos do médico, em seu consultório, um aplicador vaginal contendo meio comprimido de substância cujo nome ou procedência não lhe foram explicados. Recebeu a instrução de que deveria introduzir o medicamento por volta das 23 horas do dia 12/02/2000, sendo-lhe esclarecido que contrações iniciariam por volta das seis da manhã seguinte. Inseguros e temerosos, a parturiente e seu marido telefonaram para o médico por volta das 21 horas indagando se seria mesmo necessária a indução do parto, pois gostariam de aguardar pelo parto normal. A resposta do médico foi que a indução seria o procedimento mais indicado.
Três horas depois da introdução do medicamento, a parturiente passou a sentir fortes dores, sendo que às 4h30min da madrugada as contrações se davam a cada cinco minutos. O casal chegou ao hospital por volta das 6h30min, com a parturiente reclamando de dores insuportáveis. Anestesiada e, também, medicada com Diazepan (Valiun), durante o período de expulsão do bebê foi constatado sofrimento fetal agudo, percebido pela presença de mecônio (fezes) no líquido amniótico, sendo o parto realizado com o emprego de fórceps.
A menina nasceu deprimida, com apgar 2 (escala que avalia cinco sinais objetivos dos recém-nascidos: frequência cardíaca, respiração, tônus muscular, irritabilidade reflexa e cor da pele) no primeiro minuto, quando o normal 10. Reanimada mediante procedimento de aspiração do mecônio e depois, entubada, apresentou crises compulsivas, sendo medicada com Valiun e Fenobarbital (Gardenal). Aos seis meses, foi submetida a exame de ressonância nuclear magnética, constatando-se Leucoencefalomalácia, lesão que está associada à asfixia perinatal.
Apelação
No entendimento do relator da apelação, Desembargador Ivan Leomar Bruxel, os laudos periciais e a prova colhida comprovam a existência do fato e autoria. Pratica crime de lesão corporal gravíssima, com dolo eventual, quem, sugerindo e fornecendo medicamento sabidamente abortivo, com a finalidade de antecipar parto, para uso domiciliar, sem controle médico, em virtude de férias, dá causa a complicações, gerando parto com características de urgência, com sedação da parturiente, uso de fórceps, formando um conjunto gerador de falta de oxigenação do cérebro, nos trabalhos e parto e pós-parto, diz o voto do relator.
Todos os depoimentos colhidos entre médicos ginecologistas e obstetras que conheciam o uso do Cytotec para indução de parto referiram que o procedimento normal é usar a droga em ambiente hospitalar, controlando as contrações uterinas e em especial verificando as condições do feto. No caso, a aceleração do parto, mediante uso de mediação (Cytotec) em ambiente familiar e falta de monitoramento levou à paralisia cerebral da criança, acrescenta o Desembargador Bruxel.
Não se pode esperar que uma mãe e um pai leigos possam ser responsáveis pela administração da medicação em casa, quando esta foi entregue gratuitamente pelo seu médico de confiança, em consultório, segue. Condena-se a irresponsabilidade, a conduta do réu em acelerar um parto longe dos cuidados necessários e desnecessariamente, por conveniência pessoal, diga-se, suas férias.
Além do relator, participaram do julgamento, realizado em 16/12, os Desembargadores Newton Brasil de Leão e Odone Sanguiné.
Apelação Crime nº 70029199742
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