A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) rejeitou a pretensão de escritório de advocacia do Rio Grande do Sul que, após prestar serviços por seis anos a uma empresa, sem nunca ter reclamado a correção dos valores prevista contratualmente, decidiu pleitear as diferenças ao final do contrato.
Segundo a relatora do recurso apresentado pelo escritório de advogados, ministra Nancy Andrighi, o princípio da boa-fé objetiva impede a cobrança retroativa de valores que foram dispensados regularmente, pois isso frustraria “uma expectativa legítima, construída e mantida ao longo de toda a relação contratual”.
O contrato para prestação de serviços advocatícios vigorou entre 1998 e 2004, com previsão de pagamentos mensais de R$ 8 mil, a serem reajustados anualmente. O valor, no entanto, nunca foi corrigido. Rescindido o contrato, o escritório entrou na Justiça pleiteando, entre outras coisas, o pagamento das diferenças relativas à correção monetária anual dos valores.
O juiz de primeira instância julgou a ação procedente, mas o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul reformou parcialmente a decisão para afastar a correção monetária retroativa, ao argumento de que, embora houvesse cláusula contratual prevendo o reajuste, o escritório nunca o exigiu.
No recurso especial interposto no STJ, o escritório sustentou que a correção monetária “constitui tão somente a reposição do valor real da moeda”. Segundo os advogados, a prestação de serviço por prazo indeterminado sem reajuste de valores implicaria “enriquecimento sem causa de uma das partes, comprometendo o equilíbrio financeiro da relação”.
A tese do escritório não convenceu os ministros da Terceira Turma, que acompanharam de forma unânime o voto da relatora. Ela afirmou que a correção monetária, de fato, apenas recompõe o poder aquisitivo da moeda e é, por isso, fator de reajuste intrínseco às dívidas, aplicável até sem previsão contratual expressa – mas nem por isso considerou ter havido enriquecimento sem causa da empresa contratante.
Direito disponível
Nancy Andrighi disse que é comum, nas negociações envolvendo renovação ou manutenção de contratos, uma das partes dispensar a outra do pagamento de correção: “Nada impede o beneficiado de abrir mão da correção monetária, mantendo sem reajuste a contraprestação mensal, como forma de persuadir a parte contrária a manter o vínculo contratual. Dada a natureza disponível desse direito, sua supressão pode perfeitamente ser aceita a qualquer tempo pelo titular.”
Foi o que ocorreu no caso do Rio Grande do Sul, conforme concluiu o tribunal estadual, segundo o qual tudo indica que o escritório dispensou a correção do valor para manter o contrato, “não sendo razoável exigir tais valores apenas após a rescisão”.
“Mais do que simples renúncia do direito ao reajuste”, disse a ministra Nancy Andrighi, o escritório de advocacia “abdicou da correção monetária para evitar a majoração da parcela mensal, assegurando, com isso, a manutenção do contrato. Não se cuidou propriamente de liberalidade, mas de uma medida que teve como contrapartida a preservação do vínculo contratual por seis anos.”
Para ela, “a boa-fé objetiva exige de todos um comportamento condizente com um padrão ético de confiança e lealdade”. A boa-fé, segundo a relatora, determina regras de conduta que “não se orientam exclusivamente ao cumprimento da obrigação, permeando toda a relação contratual, de modo a viabilizar a satisfação dos interesses globais envolvidos no negócio”.
Assim, acrescentou a ministra, é possível que uma obrigação contratual seja considerada suprimida “na hipótese em que o não exercício do direito correspondente, pelo credor, gerar ao devedor a legítima expectativa de que esse não exercício se prorrogará no tempo”.
“Em outras palavras”, continuou, “haverá redução do conteúdo obrigacional pela inércia de uma das partes, ao longo da execução do contrato, em exercer direito ou faculdade, criando para a outra a sensação válida e plausível de ter havido a renúncia àquela prerrogativa.” Nancy Andrighi afirmou que, no caso em julgamento, ao abrir mão do reajuste anual durante os seis anos do contrato, o escritório despertou na empresa “a justa expectativa de que a correção não seria exigida retroativamente”.
Coordenadoria de Editoria e Imprensa
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