sábado, 10 de abril de 2010

Um Novo Processo Civil

 Uma das causas da morosidade judicial decorre das leis processuais. Excesso de formalismo, múltiplos e complexos procedimentos, prodigalida-de de recursos, pouca eficácia das sentenças, falta de mecanismos a coibir e reprimir condutas protelatórias; pouco estímulo à conciliação etc. Tais aspectos não só retardam o trâmite das causas individualmente consideradas, como também contribuem para o aumento de processos em andamento, prejudicando a concretização do princípio da duração razoável do processo (CF/88, art. 5º, inc. LXXVIII).

Na busca de aperfeiçoar a legislação, em 30-09-2009, foi formada Comissão de Juristas, tendo como Presidente o Ministro Luiz Fux, do STJ, “encarregada de elaborar Anteprojeto do Novo Código de Processo Civil”.

De acordo com as propostas anunciadas, haverá modificações expressivas no Processo Civil. O CPC passará a ter uma Parte Geral, seguida por 5 (cinco) Livros, os quais versarão sobre Processo de Conhecimento, Processo de Execução, Procedimentos Especiais, Recursos e Disposições Gerais Transitórias.

Caminha-se para a simplificação dos atos processuais e prevalência das questões de mérito em relação às processuais. Dentre as propostas, destacam-se: o “procedimento único para o processo de sentença”, adaptável pelo juiz conforme a necessidade; a possibilidade do juiz proferir sentença no início da lide em casos de matérias sumuladas ou que versem sobre recursos repetitivos; a supressão dos institutos da oposição, da nomeação à autoria e do chamamento ao processo, mantendo-se, porém, a denunciação da lide e a assistência; a exceção de incompetência, de impedimento e de suspeição, bem como a impugnação ao valor da causa e a reconvenção, por sua vez, poderão ser apresentadas na própria contestação, além de que a conciliação passará a ser o primeiro ato do processo.

Consta, ainda, a criação do “incidente de coletivização”, a fim de impedir ações repetitivas, cujo objeto poderia (rectius: deveria) ser deduzido em ações coletivas; a eliminação de atos burocráticos nas Varas Cíveis, com informatização processual, intimações dos advogados e expedição de ofícios pela internet, como também a desnecessidade de intimações das testemunhas para audiências, salvo casos justificados, hipóteses em que se realizarão pela via postal.

Nos procedimentos especiais, a ideia é extinguir as ações de depósito, de anulação e substituição de títulos ao portador, de nunciação de obra nova, de usucapião, de prestação de contas e as possessórias. Tais ações poderão ser deduzidas pelo rito do processo de conhecimento. Nos Juizados Especiais a competência passará a ser absoluta.

No que alude aos recursos pretende-se uma redução de 70% (setenta por cento) em relação aos atuais. Os que permanecerem, cerca de 5 (cinco), terão prazo único, 15 (quinze) dias, exceto os embargos de declaração. Propõe-se, também, a sucumbência recursal, condicionando a apelação ao depósito prévio de custas e honorários; a aplicação de multa, caso o recurso seja considerado protelatório, e a ampliação dos honorários, se o recurso não for provido. O recurso de apelação terá, em regra, somente efeito devolutivo, inclusive para a Fazenda Pública, o que permitirá a execução imediata da sentença. Está prevista, contudo, a possibilidade do juízo de retratação. O agravo de instrumento será cabível apenas em relação às decisões interlocutórias de urgência.

No Processo de Execução, a obrigação de pagar quantia certa decorrente de sentença judicial se realizará após o trânsito em julgado, independentemente de intimação do devedor. Desde a primeira hasta pública, o bem poderá ser alienado por valor inferior ao da avaliação, exceto por preço vil. Deverá ser eliminada a distinção entre praça e leilão, além de se criar o leilão eletrônico. A multa decorrente de decisão judicial, ainda não transitada em julgado, não poderá ser executada desde logo, mas deverá ficar depositada em juízo.

Ante ao teor das propostas, percebe-se a intenção de mudanças significativas no processo civil, simplificando e agilizando o trâmite processual, o que deve trazer resultados positivos na prática. Além disso, é a primeira Comissão que se propõe a ouvir os operadores do Direito, solicitando-lhes sugestões.

Esta abertura, aliás, é oportuna, até porque ainda há espaço para outras propostas, como o aprimoramento dos embargos de declaração, de modo que estes não tenham cunho protelatório; a dispensa do relatório das sentenças, conforme art. 38, da Lei 9.099/95; a possibilidade de celebração de convênios junto a Entes Públicos para realização de perícias, em caso de assistência judiciária ou em que a parte interessada não seja obrigada a antecipar honorários; a criação de quadro de conciliadores, com formação e atribuições fixadas em Lei, para auxiliarem os juízes nesta salutar tarefa, a exemplo do que ocorre nos EUA, Canadá e em vários países da Europa; a simplificação, senão conversão do inventário para rito único de arrolamento sumário, com intervenção do Ministério Público e julgamento da partilha, se necessário; o aprimoramento das sanções por litigância de má-fé, ainda pouco eficazes; a delimitação semântica do “cerceamento de defesa”, vinculando sua alegação à demonstração de, ao menos, indícios de prejuízo, assim como ocorre no art. 114, do CPC Francês – “não há nulidade sem previsão legal” (pas de nullité sans texte) e “não há nulidade sem prejuízo” (pas de nullité sans grief) –; a adaptação dos requisitos da assistência judiciária às disposições constitucionais (CF/88, art. 5º, inc. LXXIV), sobretudo quanto à “comprovação de insuficiência de recursos”, de maneira a evitar abusos e/ou julgamentos díspares entre primeiro e segundo graus; a substituição do cumprimento das precatórias pelo sistema de videoconferência, dentre outras.

Assim, cumpre aos interessados na melhora da prestação jurisdicional não se furtarem nesta fase à apresentação de propostas, bem como ao acompanhamento de perto do processo legislativo para que, de fato, ocorra uma melhora no Processo Civil a benefício dos operadores e dos jurisdicionados.

JOSÉ RICARDO ALVAREZ VIANNA
Juiz de Direito no Paraná. Mestre em Direito pela UEL e Doutorando pela Universidade Clássica de Lisboa.
 

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