A responsabilidade do Estado no caso de acidentes naturais derivados de enchentes e desmoronamentos – 12-4-2010
Por Rizzatto Nunes
As várias tragédias dos últimos meses relativas a inundações provocadas por chuvas regulares e previsíveis, assim como por aquelas extraordinárias e também os desmoronamentos de encostas, prédios, casas e o soterramento de pessoas gerando dezenas de mortos e feridos é algo muito grave que exige uma séria tomada de posição pelas autoridades no que diz respeito a ocupação do solo e as necessárias ações preventivas visando a segurança das pessoas. De nada adianta ficar simplesmente acusando as vítimas depois das ocorrências, eis que, certo ou errado, elas já estavam vivendo nos locais conhecidos abertamente. Afinal, as pessoas precisam morar em algum lugar.
É verdade que, quando surgem eventos climáticos não previstos, como, por exemplo, chuvas caindo em quantidade nunca vistas acaba sendo possível justificar a tragédia por força do evento natural. Mas, naqueles casos em que os eventos climáticos são corriqueiros, ocorrem na mesma freqüência anual e em quantidades conhecidas de forma antecipada e ainda nas situações em que a ocupação do solo feita de forma inadequada permitia prever a catástrofe, o Estado é responsável pelos danos e deve indenizar as vítimas e familiares. A legislação brasileira é clara a respeito. Veja.
Responsabilidade civil objetiva
A Constituição Federal estabelece a responsabilidade civil objetiva do Estado pelos danos causados às pessoas e seu patrimônio por ação ou omissão de seus agentes (conforme parágrafo 6º do art. 37). Essa responsabilidade civil objetiva implica em que não se exige prova da culpa do agente público para que a pessoa lesada tenha direito à indenização. Basta a demonstração do nexo de causalidade entre o dano sofrido e a ação ou omissão das autoridades responsáveis.
Explico melhor. Quando se fala em ação do agente público, isto é, conduta comissiva, está se referindo ao ato praticado que diretamente cause o dano. Por exemplo, o policial que, extrapolando as medidas necessárias ao exercício de suas funções, agrida uma pessoa. Quanto se fala em omissão, se está apontando uma ausência de ação do agente público quando ele tinha o dever de exercê-la. Caso típico das ações fiscalizadoras em geral, decorrente do poder de polícia estatal. Por exemplo, a queda de uma ponte sobre veículos por falta de manutenção. Vê-se, pois, que a responsabilidade tem origem na falta de tomada de alguma providência essencial ou ausência de realização de obra considerada indispensável para evitar o dano que vier a ser causado pelo fenômeno da natureza etc.
Muito bem. Em todos esses casos de inundações, desmoronamentos, soterramentos etc causando a morte e lesando dezenas de pessoas o Estado será responsabilizado se ficar demonstrado que ele foi omisso nas ações preventivas que deveria ter tomado. Se, de fato, os agentes públicos deveriam ter agido para evitar as tragédias e não o fizeram há responsabilidade. Tem-se que apenas demonstrar que a omissão não impediu o dano, vale dizer, a vítima ou seus familiares (em caso de morte) devem demonstrar o dano e a omissão, para ter direito ao recebimento de indenização.
Caso fortuito, força maior, culpa exclusiva da vítima
Antes de prosseguir, anoto que o Estado não responderá nas hipóteses de caso fortuito, força maior ou culpa exclusiva da vítima ou terceiros. Os eventos da natureza imprevisíveis são típicos de caso fortuito, tais como terremotos, maremotos, furacões e também as chuvas e tempestades que surgem fora do padrão sazonal e conhecido previamente pelos meteorologistas e, por isso, das autoridades públicas. Reforço esse último aspecto: chuvas sazonais em quantidades previsíveis não constituem evento de caso fortuito porque a autoridade pode tomar as devidas cautelas para evitar eventuais danos.
A força maior é definida como o evento que não se pode impedir, como por exemplo, a eclosão de uma guerra. E a culpa exclusiva da vítima ou de terceiro, como a própria expressão contempla é causa excludente da responsabilidade estatal porque elimina o nexo de causalidade entre o dano e a ação ou omissão do Estado. Aqui dou ênfase ao que importa: a exclusão do nexo e consequentemente da responsabilidade de indenizar nasce da exclusividade da culpa da vítima ou do terceiro. Se, por exemplo, a culpa da vítima for concorrente, ainda assim o Estado responde, embora nesse caso, deva ser levado em consideração o grau da culpa da vítima para fixar-se indenização em valor proporcional. Dou como exemplo de culpa concorrente o da construção de uma casa que exigia a tomada de certas medidas de segurança que foram desprezadas pelo agente de fiscalização e também pela vítima.
Veja, agora, os direitos dos familiares e vítimas.
Pensão
Os familiares que são dependentes da pessoa falecida têm direito a uma pensão mensal, que será calculada de acordo com os proventos que ela tinha em vida. O mesmo modo, a vítima sobrevivente pode pleitear pensão pelo período em que, convalescente, tenha fiado impossibilitado de trabalhar.
Outros danos materiais
Além da pensão, no cômputo dos danos materiais inclui-se todo tipo de perda relacionada ao evento danoso, tais como, no caso de desmoronamento da habitação, seu preço ou o custo para a construção de uma outra igual e todas as demais perdas efetivamente sofridas relacionadas ao evento. No caso de pessoa falecida, além dessas perdas, cabe pedir também indenização por despesas com locomoção e alimentação dos familiares que tiveram de cuidar da difícil tarefa de reconhecer o corpo e fazer seu traslado, despesas com o funeral etc.
Danos morais
Tanto a vítima sobrevivente como os familiares próximos à vítima falecida podem pleitear indenização pelos danos morais sofridos, que no caso dizem respeito ao sofrimento de que padeceram e das seqüelas psicológicas que o evento gerou. O valor dessa indenização será fixado pelo Juiz no processo.
Anoto que o responsável pelo evento danoso tem o dever de dar toda assistência às famílias das vítimas, inclusive propondo o pagamento de indenizações e pensões. Essa conduta, uma vez realmente adotada, poderá influir numa eventual ação judicial para a fixação da indenização por dano moral. É que, nas variáveis objetivas utilizadas pelo Magistrado para fixar a quantia, uma delas é a do aspecto punitivo.
Na verdade, aquilo que se chama indenização em matéria de dano moral não é propriamente indenização. Para que o leitor entenda bem: indenizar significa tornar indene, vale dizer, encontrar o valor em dinheiro que corresponda à perda material efetiva; fazer retornar, pois, ao “status quo” anterior. Por exemplo, se o pessoa perdeu seu automóvel, basta saber quanto o mesmo valia e fixar a indenização nesse valor. É um elemento de igualdade, portanto.
Vê-se, assim, que a chamada indenização relativa ao dano moral, não é indenização, pois não pretende repor nenhuma perda material ou repor às coisas no estado anterior. É impossível reparar a perda de um ente querido. É por isso que, a indenização por danos morais, como se diz, é satisfativo-punitiva: uma quantia em dinheiro que possa servir de conforto material e ao mesmo tempo punição ao infrator.
Esse aspecto punitivo deve ser reforçado quando o causador do dano age com má-fé, intenção de causar o dano, ou regularmente repete os mesmos erros etc. Por outro lado, o magistrado deve levar em conta a atitude do causador do dano após a ocorrência do evento. Se ele se comportou adequadamente, como acima referi, então, nesse caso, a seu favor haverá uma atenuante para fixar a indenização em menor valor.
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