Até que o Congresso Nacional decida sobre a regulamentação legal da desaposentadoria – o que ainda deve demorar bastante –, a Justiça continuará sendo o único caminho ao alcance dos aposentados que quiserem renunciar ao benefício para em seguida obtê-lo de novo, em valor mais alto. Milhares de ações desse tipo tramitam atualmente nos estados e algumas já chegaram ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), cujo entendimento tem sido favorável aos aposentados.
“Vamos ter um ‘tsunami’ de processos judiciais”, avalia André Luiz Marques, presidente do Instituto dos Advogados Previdenciários de São Paulo (Iape). “Esse vai ser o novo foco das revisões de benefícios. O pessoal está acordando para a injustiça que é contribuir sem ter nada em troca”, diz ele.
Dos projetos sobre o assunto existentes no Congresso, os dois que reúnem maiores chances de aprovação são de autoria do senador Paulo Paim (PT-RS) e do deputado Cleber Verde (PRB-MA). O primeiro aguarda parecer na Comissão de Assuntos Sociais do Senado e o segundo recebeu parecer favorável na Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara, mas ainda não foi votado. Mesmo que sejam aprovados – o que não deve ocorrer este ano, por causa da campanha eleitoral –, os projetos ainda terão que passar pela revisão na outra Casa do Congresso.
O que os dois projetos pretendem, na essência, é garantir ao aposentado que continuou trabalhando o direito de renunciar ao benefício previdenciário e aproveitar o tempo de contribuição no cálculo de nova aposentadoria. O projeto do deputado Cleber Verde quer ainda impedir a devolução dos valores recebidos até a renúncia. Nada disso é previsto na legislação atual, mas esses direitos têm sido reconhecidos aos aposentados em várias decisões judiciais.
A desaposentadoria – também chamada de desaposentação, embora nenhuma dessas palavras conste nos dicionários – vem sendo requerida tanto por trabalhadores que entraram cedo no mercado (e por isso se aposentaram mais jovens), como por pessoas que haviam optado pela aposentadoria proporcional até 1998 (quando ela foi extinta) e continuaram na ativa. Nem sempre haverá vantagem para o requerente, pois cada caso é um caso e precisa ser calculado individualmente.
Fator previdenciário
A estratégia da renúncia começou a ser explorada pelos advogados de aposentados algum tempo depois da criação do fator previdenciário, destinado a inibir as aposentadorias precoces. Aplicado pelo governo a partir de 1999, após o fim das aposentadorias proporcionais, o fator previdenciário é um mecanismo de cálculo que reduz o valor do benefício para quem se aposenta com menos idade, independentemente do seu tempo de contribuição. Ele se apoia no argumento de que essas pessoas ainda irão receber aposentadoria por muitos anos.
Segundo André Luiz Marques, do Iape, o fator previdenciário, da maneira como existe, é injusto, pois corta o valor da aposentadoria de modo permanente. “Ele deveria ser escalonado, de modo que a redução ficasse menor ano a ano, na medida em que se reduz a expectativa de vida da pessoa. Hoje, o fator previdenciário é um castigo até o fim da vida”, afirma o advogado.
O presidente do Iape calcula que alguns aposentados podem vir a ter aumentos de 50% a 60% com a desaposentadoria, por conta das perdas causadas pelo fator previdenciário. Por isso, ele afirma que o Poder Judiciário pode esperar uma enxurrada de processos, como aconteceu alguns anos atrás com os pedidos de revisão de benefícios. “Conheço escritórios que têm centenas de processos sobre esse tema”, diz André Marques.
O crescimento do número de ações de desaposentadoria preocupa o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), cujo deficit foi de R$ 43,6 bilhões no ano passado. A preocupação é tamanha que o Ministério da Previdência prefere nem se manifestar sobre o tema, com receio de estimular a discussão. A única coisa que o ministério diz, repetindo o que os procuradores do INSS alegam nas ações judiciais, é que a lei não prevê a possibilidade de renúncia ao benefício. Por essa razão, as agências do INSS se recusam a processar os pedidos de desaposentadoria, restando ao interessado a opção de procurar a Justiça.
Sem contrapartida
Quem continua a trabalhar depois de aposentado é obrigado a seguir contribuindo para a Previdência. Porém, em relação à contrapartida, a Lei n. 8.213/1991 é taxativa: “O aposentado pelo Regime Geral de Previdência Social que permanecer em atividade sujeita a este regime, ou a ele retornar, não fará jus a prestação alguma da previdência social em decorrência do exercício dessa atividade, exceto ao salário-família e à reabilitação profissional, quando empregado”.
O Supremo Tribunal Federal (STF) deverá julgar em breve um recurso extraordinário no qual é contestada a constitucionalidade da Lei n. 8.213/91 nesse ponto específico, mas a decisão só será válida para as partes envolvidas no processo. De todo modo, mesmo não tendo efeito vinculante, o entendimento do STF servirá de orientação às demais instâncias da Justiça.
Foi exatamente com base naquela disposição da Lei n. 8.213/91 que o Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF5) negou a desaposentadoria a um trabalhador de Pernambuco que se havia aposentado pelo regime proporcional. De acordo com o TRF5, a lei impede que as contribuições pagas depois da concessão de aposentadoria proporcional sejam computadas para o deferimento de benefício integral.
Inconformado, o trabalhador recorreu ao STJ e ganhou a batalha. A decisão final saiu em abril. A Quinta Turma do Tribunal acompanhou o pensamento do relator, ministro Arnaldo Esteves Lima (hoje na Primeira Turma), para quem a aposentadoria é “um direito disponível dos segurados”. Por isso, segundo ele, ”é possível a renúncia a uma espécie de aposentadoria para a concessão de outra”.
O resultado seguiu a linha de decisões anteriores adotadas na Quinta e na Sexta Turma, onde são julgados os recursos sobre direito previdenciário. Um dos precedentes foi julgado em 2005 e teve como relatora a ministra Laurita Vaz, também da Quinta Turma. O caso envolvia um ex-trabalhador rural que queria se “reaposentar” como autônomo no Rio Grande do Sul.
“A pretensão do autor não é a cumulação de benefícios previdenciários”, disse na época a relatora, “mas sim a renúncia da aposentadoria que atualmente percebe (aposentadoria por idade, na qualidade de rurícola) para o recebimento de outra mais vantajosa (aposentadoria por idade, de natureza urbana).”
Ainda segundo Laurita Vaz, “não se trata da dupla contagem de tempo de serviço já utilizado por um sistema, o que pressupõe, necessariamente, a concomitância de benefícios concedidos com base no mesmo período, o que é vedado pela lei de benefícios. Trata-se, na verdade, de abdicação a um benefício concedido a fim de obter a concessão de um benefício mais vantajoso”.
Contra a devolução
Também na controvérsia sobre a necessidade de devolução das aposentadorias recebidas, o STJ vem adotando posição favorável aos beneficiários do INSS. “O ato de renunciar ao benefício não implica a obrigação de devolução das parcelas recebidas, pois, enquanto esteve aposentado, o segurado fez jus aos seus proventos”, afirmou em 2008 a ministra Maria Thereza de Assis Moura, da Sexta Turma, ao julgar um caso de Santa Catarina.
Em 2005, na mesma Sexta Turma, o ministro Nilson Naves (hoje aposentado) já havia declarado a desnecessidade de devolução do dinheiro em um processo do Distrito Federal, "pois, enquanto perdurou a aposentadoria pelo regime geral, os pagamentos, de natureza alimentar, eram indiscutivelmente devidos".
Ao julgar outro recurso do DF na Quinta Turma, em 2008, o ministro Jorge Mussi sintetizou o entendimento das duas Turmas julgadoras que compõem a Terceira Seção do STJ: “A renúncia à aposentadoria, para fins de aproveitamento do tempo de contribuição e concessão de novo benefício, seja no mesmo regime ou em regime diverso, não importa em devolução dos valores percebidos”.
Ainda assim, a posição não é unânime. O ministro Napoleão Maia Filho, integrante da Quinta Turma, entende que, “para a desconstituição da aposentadoria e o aproveitamento do tempo de contribuição, é imprescindível conferir efeito ex tunc (retroativo) à renúncia, a fim de que o segurado retorne à situação originária, inclusive como forma de preservar o equilíbrio atuarial do sistema previdenciário”.
“Dessa forma”, continua o ministro, “além de renunciar ao benefício, deverá o segurado devolver os proventos recebidos no período que pretende ver acrescentado ao tempo já averbado”. No apoio a essa tese – que, ao menos por enquanto, não convenceu os demais julgadores –, Napoleão Maia Filho cita o professor e advogado Wladimir Novaes Martinez, especialista em direito previdenciário: “Se a previdência aposenta o segurado, ela se serve de reservas acumuladas pelos trabalhadores, entre as quais as do titular do direito. Na desaposentação, terá de reaver os valores pagos para estar econômica, financeira e atuarialmente apta para aposentá-lo novamente.”
“Vamos ter um ‘tsunami’ de processos judiciais”, avalia André Luiz Marques, presidente do Instituto dos Advogados Previdenciários de São Paulo (Iape). “Esse vai ser o novo foco das revisões de benefícios. O pessoal está acordando para a injustiça que é contribuir sem ter nada em troca”, diz ele.
Dos projetos sobre o assunto existentes no Congresso, os dois que reúnem maiores chances de aprovação são de autoria do senador Paulo Paim (PT-RS) e do deputado Cleber Verde (PRB-MA). O primeiro aguarda parecer na Comissão de Assuntos Sociais do Senado e o segundo recebeu parecer favorável na Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara, mas ainda não foi votado. Mesmo que sejam aprovados – o que não deve ocorrer este ano, por causa da campanha eleitoral –, os projetos ainda terão que passar pela revisão na outra Casa do Congresso.
O que os dois projetos pretendem, na essência, é garantir ao aposentado que continuou trabalhando o direito de renunciar ao benefício previdenciário e aproveitar o tempo de contribuição no cálculo de nova aposentadoria. O projeto do deputado Cleber Verde quer ainda impedir a devolução dos valores recebidos até a renúncia. Nada disso é previsto na legislação atual, mas esses direitos têm sido reconhecidos aos aposentados em várias decisões judiciais.
A desaposentadoria – também chamada de desaposentação, embora nenhuma dessas palavras conste nos dicionários – vem sendo requerida tanto por trabalhadores que entraram cedo no mercado (e por isso se aposentaram mais jovens), como por pessoas que haviam optado pela aposentadoria proporcional até 1998 (quando ela foi extinta) e continuaram na ativa. Nem sempre haverá vantagem para o requerente, pois cada caso é um caso e precisa ser calculado individualmente.
Fator previdenciário
A estratégia da renúncia começou a ser explorada pelos advogados de aposentados algum tempo depois da criação do fator previdenciário, destinado a inibir as aposentadorias precoces. Aplicado pelo governo a partir de 1999, após o fim das aposentadorias proporcionais, o fator previdenciário é um mecanismo de cálculo que reduz o valor do benefício para quem se aposenta com menos idade, independentemente do seu tempo de contribuição. Ele se apoia no argumento de que essas pessoas ainda irão receber aposentadoria por muitos anos.
Segundo André Luiz Marques, do Iape, o fator previdenciário, da maneira como existe, é injusto, pois corta o valor da aposentadoria de modo permanente. “Ele deveria ser escalonado, de modo que a redução ficasse menor ano a ano, na medida em que se reduz a expectativa de vida da pessoa. Hoje, o fator previdenciário é um castigo até o fim da vida”, afirma o advogado.
O presidente do Iape calcula que alguns aposentados podem vir a ter aumentos de 50% a 60% com a desaposentadoria, por conta das perdas causadas pelo fator previdenciário. Por isso, ele afirma que o Poder Judiciário pode esperar uma enxurrada de processos, como aconteceu alguns anos atrás com os pedidos de revisão de benefícios. “Conheço escritórios que têm centenas de processos sobre esse tema”, diz André Marques.
O crescimento do número de ações de desaposentadoria preocupa o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), cujo deficit foi de R$ 43,6 bilhões no ano passado. A preocupação é tamanha que o Ministério da Previdência prefere nem se manifestar sobre o tema, com receio de estimular a discussão. A única coisa que o ministério diz, repetindo o que os procuradores do INSS alegam nas ações judiciais, é que a lei não prevê a possibilidade de renúncia ao benefício. Por essa razão, as agências do INSS se recusam a processar os pedidos de desaposentadoria, restando ao interessado a opção de procurar a Justiça.
Sem contrapartida
Quem continua a trabalhar depois de aposentado é obrigado a seguir contribuindo para a Previdência. Porém, em relação à contrapartida, a Lei n. 8.213/1991 é taxativa: “O aposentado pelo Regime Geral de Previdência Social que permanecer em atividade sujeita a este regime, ou a ele retornar, não fará jus a prestação alguma da previdência social em decorrência do exercício dessa atividade, exceto ao salário-família e à reabilitação profissional, quando empregado”.
O Supremo Tribunal Federal (STF) deverá julgar em breve um recurso extraordinário no qual é contestada a constitucionalidade da Lei n. 8.213/91 nesse ponto específico, mas a decisão só será válida para as partes envolvidas no processo. De todo modo, mesmo não tendo efeito vinculante, o entendimento do STF servirá de orientação às demais instâncias da Justiça.
Foi exatamente com base naquela disposição da Lei n. 8.213/91 que o Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF5) negou a desaposentadoria a um trabalhador de Pernambuco que se havia aposentado pelo regime proporcional. De acordo com o TRF5, a lei impede que as contribuições pagas depois da concessão de aposentadoria proporcional sejam computadas para o deferimento de benefício integral.
Inconformado, o trabalhador recorreu ao STJ e ganhou a batalha. A decisão final saiu em abril. A Quinta Turma do Tribunal acompanhou o pensamento do relator, ministro Arnaldo Esteves Lima (hoje na Primeira Turma), para quem a aposentadoria é “um direito disponível dos segurados”. Por isso, segundo ele, ”é possível a renúncia a uma espécie de aposentadoria para a concessão de outra”.
O resultado seguiu a linha de decisões anteriores adotadas na Quinta e na Sexta Turma, onde são julgados os recursos sobre direito previdenciário. Um dos precedentes foi julgado em 2005 e teve como relatora a ministra Laurita Vaz, também da Quinta Turma. O caso envolvia um ex-trabalhador rural que queria se “reaposentar” como autônomo no Rio Grande do Sul.
“A pretensão do autor não é a cumulação de benefícios previdenciários”, disse na época a relatora, “mas sim a renúncia da aposentadoria que atualmente percebe (aposentadoria por idade, na qualidade de rurícola) para o recebimento de outra mais vantajosa (aposentadoria por idade, de natureza urbana).”
Ainda segundo Laurita Vaz, “não se trata da dupla contagem de tempo de serviço já utilizado por um sistema, o que pressupõe, necessariamente, a concomitância de benefícios concedidos com base no mesmo período, o que é vedado pela lei de benefícios. Trata-se, na verdade, de abdicação a um benefício concedido a fim de obter a concessão de um benefício mais vantajoso”.
Contra a devolução
Também na controvérsia sobre a necessidade de devolução das aposentadorias recebidas, o STJ vem adotando posição favorável aos beneficiários do INSS. “O ato de renunciar ao benefício não implica a obrigação de devolução das parcelas recebidas, pois, enquanto esteve aposentado, o segurado fez jus aos seus proventos”, afirmou em 2008 a ministra Maria Thereza de Assis Moura, da Sexta Turma, ao julgar um caso de Santa Catarina.
Em 2005, na mesma Sexta Turma, o ministro Nilson Naves (hoje aposentado) já havia declarado a desnecessidade de devolução do dinheiro em um processo do Distrito Federal, "pois, enquanto perdurou a aposentadoria pelo regime geral, os pagamentos, de natureza alimentar, eram indiscutivelmente devidos".
Ao julgar outro recurso do DF na Quinta Turma, em 2008, o ministro Jorge Mussi sintetizou o entendimento das duas Turmas julgadoras que compõem a Terceira Seção do STJ: “A renúncia à aposentadoria, para fins de aproveitamento do tempo de contribuição e concessão de novo benefício, seja no mesmo regime ou em regime diverso, não importa em devolução dos valores percebidos”.
Ainda assim, a posição não é unânime. O ministro Napoleão Maia Filho, integrante da Quinta Turma, entende que, “para a desconstituição da aposentadoria e o aproveitamento do tempo de contribuição, é imprescindível conferir efeito ex tunc (retroativo) à renúncia, a fim de que o segurado retorne à situação originária, inclusive como forma de preservar o equilíbrio atuarial do sistema previdenciário”.
“Dessa forma”, continua o ministro, “além de renunciar ao benefício, deverá o segurado devolver os proventos recebidos no período que pretende ver acrescentado ao tempo já averbado”. No apoio a essa tese – que, ao menos por enquanto, não convenceu os demais julgadores –, Napoleão Maia Filho cita o professor e advogado Wladimir Novaes Martinez, especialista em direito previdenciário: “Se a previdência aposenta o segurado, ela se serve de reservas acumuladas pelos trabalhadores, entre as quais as do titular do direito. Na desaposentação, terá de reaver os valores pagos para estar econômica, financeira e atuarialmente apta para aposentá-lo novamente.”
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