A administração do espólio pelo
inventariante não esbarra no direito de meação conferido ao companheiro
ou cônjuge. Com esse entendimento, a Terceira Turma do Superior Tribunal
de Justiça (STJ) rejeitou o recurso do inventariante, sobrinho do
falecido, que questionava a atribuição da administração de metade dos
bens da herança à suposta companheira do tio dele.
Ela afirma
ter convivido em união estável com o autor da herança por 37 anos.
Solteiro e sem filhos, o homem deixou patrimônio considerável,
constituído de imóveis urbanos, fazendas e milhares de cabeças de gado a
inventariar.
A provável companheira propôs ação declaratória de
união estável com pedido de tutela antecipada. O Tribunal de Justiça da
Bahia (TJBA) considerou haver fortes indícios da união estável, pois
ela figurava como companheira perante a Previdência Social e era
apresentada socialmente na mesma qualidade. Com base nisso, o TJBA
determinou, por cautela, a reserva de 50% de todos os bens adquiridos
pelo casal durante a alegada convivência – pendente, entretanto, o
julgamento da ação.
Em decisão interlocutória, o juiz determinou
a busca e apreensão de todo e qualquer bem móvel ou semovente
pertencente ao espólio, entregando-os ao inventariante e imitindo-o
igualmente na posse de todo e qualquer bem imóvel do mesmo acervo. Dessa
forma, com a abertura da sucessão, todos os bens deixados pelo falecido
deveriam permanecer sob a administração do inventariante nomeado.
A
mulher opôs embargos de declaração alegando que a decisão
interlocutória a reduzia a situação de quase miserabilidade. Ela
informou sobreviver dos aluguéis dos imóveis urbanos e da renda da
produção de leite de uma fazenda cuja sede é extensão da sua residência,
constando instalações, decoração e mobiliário implantados com recursos
dela, independentemente do companheiro.
Antes do julgamento dos
embargos, a mulher interpôs agravo de instrumento para pleitear a
restauração da posse e administração da totalidade ou, pelo menos, o
correspondente à meação mais um terço dos bens do ex-companheiro. A
meação consiste na separação da parte que cabe ao companheiro
sobrevivente na comunhão de bens do casal, ou seja, a garantia à metade
dos bens que presumidamente ajudou a adquirir.
O TJBA deu
parcial provimento ao agravo, mantendo a companheira na posse dos bens
reservados, a serem individualizados em primeiro grau. A medida, segundo
o tribunal, visa salvaguardar tanto os interesses da mulher, que não
pode ser privada de administrar a parte dos bens que supostamente lhe
compete – sob pena de se inviabilizar sua sobrevivência –, como os do
espólio, cujos bens eram conjuntamente administrados pelo falecido e sua
companheira.
Recurso especial
No
recurso especial, o inventariante, sobrinho do falecido, alegou que, no
julgamento do agravo de instrumento, o tribunal baiano atribuiu a
administração de metade dos bens da herança à suposta companheira do
inventariado, quando na verdade incumbiria ao inventariante a
administração de todos os bens que compõem o acervo hereditário.
A
respeito desses bens, estimados, segundo informações das partes, em
cerca de R$ 20 milhões e reservados à provável companheira por meio de
decisão judicial antes mesmo do encerramento do inventário, a ministra
Nancy Andrighi esclareceu que “a administração do espólio pelo
inventariante, tornado indivisível pelas regras sucessórias, não esbarra
no direito de meação, este oriundo do Direito de Família, e que é
conferido ao companheiro ou cônjuge.”
O artigo 1.725 do Código
Civil de 2002 estabelece o regime da comunhão parcial de bens para reger
as relações patrimoniais em um relacionamento estável. Assim, a
ministra explicou que, com a morte de um dos companheiros, retira-se do
patrimônio do falecido a meação do companheiro sobrevivente – que não se
transmite aos herdeiros por ser decorrência patrimonial do término da
união estável. Depois disso, e só então, defere-se a herança aos
herdeiros. “A meação não faz parte, portanto, dos bens que serão objeto
de sucessão”, afirmou.
A relatora considerou que nada havia para
corrigir no acórdão impugnado, uma vez que deve ser conferida a meação à
pretensa companheira sobrevivente, com a consequente posse e
administração dos bens que a integram. Em virtude do alto teor
conflituoso, e para salvaguardar os direitos de ambas as partes em
relação ao espólio, a ministra Nancy Andrighi manteve, em relação à
possível companheira do falecido, a exigência de autorização judicial
prévia para vender quaisquer bens, bem como a necessidade de prestação
de contas quanto ao patrimônio administrado, da mesma maneira que ocorre
com o inventariante.
A ministra frisou, ainda, que a tese
defendida pelo inventariante, no sentido de que não poderia ser
conferida à mulher a administração ou posse de nenhum bem constante do
acervo patrimonial deixado pelo falecido, fere o princípio da dignidade
humana, pois é da meação que a possível ex-companheira retira seu
sustento.
Com isso, a Turma negou provimento ao recurso especial
e determinou a nomeação imediata de novo inventariante, visto que o
sobrinho do falecido fora removido no decorrer do processo e ainda não
havia sido nomeado substituto.
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