quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Ibama contesta decisão que permitiu guarda de papagaio sem licença ambiental

O Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) ajuizou Reclamação (RCL 10595) no Supremo Tribunal Federal (STF) contra uma decisão do Tribunal Regional Federal (TRF) da 4ª Região, que permitiu a um casal gaúcho manter em casa um papagaio verdadeiro, da espécie Amazona aestiva, adquirido sem a devida licença ambiental. O relator do caso é o ministro Celso de Mello.

A decisão questionada, que teria considerado inconstitucional a legislação aplicada, foi tomada por órgão fracionário do tribunal, o que afrontaria a Súmula Vinculante nº 10, do STF, que dispõe sobre a reserva de plenário, sustenta o autor.

O caso

De acordo com os autos, o casal foi notificado pelo Ibama para entregar espontaneamente a ave. Na notificação, o Ibama revelou que a posse do papagaio tinha caráter ilícito, o que não teria sido negado pelo casal. Por isso, o instituto determinou que o animal deveria ser retirado da residência – um apartamento localizado na área urbana de Porto Alegre – e entregue ao criadouro conservacionista do Projeto Primaves.

A decisão do Ibama se baseou na legislação geral, e principalmente na Lei 9.605/98, chamada Lei dos Crimes Ambientais. Esta norma diz que é crime a guarda de animais silvestres sem autorização do Ibama. Para que fosse legal a posse, explica o instituto, o animal teria de ter sido adquirido de criadouros comerciais ou de comerciantes de espécimes da fauna silvestre, profissionais registrados que seguem a regulamentação do próprio Ibama. Não foi o que ocorreu no caso concreto, em que o animal foi encontrado sem qualquer licença válida que comprove o nascimento em criadouro regular.

Vínculo afetivo

O casal ajuizou, então, uma ação ordinária no TRF, para tentar obter a posse definitiva da ave. O casal apontava como fundamento do pedido a existência de vinculo afetivo que teriam com o animal, e sua domesticação.

O TRF determinou a realização de perícia judicial. O perito recomendou a transferência da ave para um criadouro, atestando, entre outros, que a dieta fornecida à ave – que incluía bolo – não era adequada à espécie. E que, quanto ao bem-estar do papagaio, a convivência com outros indivíduos da sua espécie é essencial, o que não acontecia com a ave periciada.

Mesmo assim, sustenta o Ibama, o juiz relator do caso no TRF julgou a ação procedente, concedendo a guarda definitiva do papagaio ao casal. “Em outras palavras, autorizou-se judicialmente a perpetuidade da infração ambiental”, diz o instituto.

O Ibama recorreu, mas o TRF confirmou a decisão do relator, no sentido de manter a ave com o casal, mesmo o caso envolvendo posse irregular de animal silvestre. O tribunal afastou a aplicação da legislação de regência, e invocou em sua decisão os princípios constitucionais da razoabilidade e proporcionalidade. Na situação em estudo, frisou então o TRF, “resta evidente que a parte autora nunca agiu com dolo ou de forma a causar lesão ao meio ambiente, mais especificamente à fauna brasileira, não tendo, ademais, ocorrido nenhuma consequência grave oriunda da atitude dos requerentes”.

Súmula Vinculante

Para o Ibama, a decisão do TRF, tomada por órgão fracionário (turma), estaria, de forma implícita, declarando a inconstitucionalidade das normas gerais de regência. Para isso, diz o instituto, seria necessária a abertura de um incidente de inconstitucionalidade. “Dizer que uma norma deixou de observar critérios de razoabilidade e proporcionalidade nada mais é do que afirmar que a mesma é inconstitucional”, sustenta o Ibama. E como a decisão não foi tomada pelo colegiado do tribunal, a decisão desrespeitaria o verbete da Súmula Vinculante nº 10, do STF, que dispõe sobre a reserva de plenário.

Chancela ao crime

A lei até permite, lembra o instituto, que no caso de guarda doméstica, o juiz possa deixar de aplicar a pena. “O que não pode, todavia, é autorizar a permanência da guarda irregular, pois isto seria verdadeira chancela judicial ao crime, permitindo-se a continuidade de conduta criminosa, expressamente vedada por lei”. Decisões do próprio TRF-4 apontam nesse sentido, salienta a reclamação.

Os fatos apurados indicam, pois, que a ave silvestre em questão é oriunda do tráfico ilegal de animais ou que foi capturada na natureza, diz o Ibama. Condutas como essa “em que os animais são adquiridos no ‘mercado negro’ ou são apanhados na natureza, comprometem o equilíbrio ecológico e contribuem para perda de biodiversidade”.

“Não se está aqui afirmando que os proprietários da ave em questão façam parte daquelas pessoas que sobrevivem às custas de crimes contra a fauna. O que se pretende é simplesmente dar sentido a uma conclusão que parece lógica: animais silvestres, nascidos livremente na natureza, não devem ser mantidos como animais domésticos”. Com esse argumento, o Ibama pede que o STF conceda liminar para que a ave seja recolhida ao criadouro até o julgamento final do incidente de inconstitucionalidade.

MB/AL

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