Por Ademar Lopes Junior
A 8ª Câmara do TRT da 15ª Região reconheceu o direito de uma trabalhadora rural do corte de cana a danos morais, no valor de R$ 8 mil, além do pagamento de diferenças de horas extras pela reclamada, uma empresa agrícola da região de Assis. A indenização por danos morais se deveu à falta de banheiros na roça.
A trabalhadora recorreu da sentença da 2ª Vara do Trabalho de Assis, que não aceitou o pedido da autora quanto aos danos morais, por entender que “para trabalhadores rurais, a ausência de condições mínimas de higiene não teria causado qualquer constrangimento”. Segundo o entendimento do juízo de primeiro grau, “o ambiente rural marca-se pela rusticidade.... a ausência de banheiro é uma conhecida contingência de quem desempenha as suas atividades em áreas inóspitas. Até mesmo os banheiros fornecidos pela reclamada não resolveram o problema... a simplicidade da vida no campo, cuja realidade do dia a dia é completamente diferente do meio urbano, de modo que na comunidade rural existe uma especificidade de valores morais e de tradição que marcam aquele grupo de pessoas”.
Os argumentos continuam na mesma linha, de que “a maioria dos trabalhadores continuava a procurar a plantação de cana para fazer as necessidades fisiológicas, limitando-se a passar antes no banheiro apenas para pegar o papel higiênico”. Além disso, “existem usinas na região desde longa data, e que até então nunca fora formulado pedido de indenização por danos morais em razão da falta de sanitários”. E concluiu que “não parece crível que somente depois da implantação de sanitários é que os trabalhadores se deram conta de que a sua falta, no passado, agredia a esfera moral de cada um”.
Para a relatora do acórdão, a juíza convocada Maria Inês Corrêa de Cerqueira Cesar Targa, o entendimento é outro. Para ela, “não havia insurgência dos trabalhadores quanto às condições de trabalho a que invariavelmente eram submetidos antes de 2006 só porque não conheciam outras condições além daquelas vivenciadas até então. Para eles, tais condições, embora humilhantes na concepção do homem médio, eram as únicas existentes”. Ela reafirma sua tese, dizendo que a situação é de tal forma enraizada que, “mesmo após a adoção dos sanitários, boa parte dos trabalhadores continuou a efetuar suas necessidades no mato, como esclarecido pela testemunha da reclamada”.
A relatora defende a ideia de que o contexto de desrespeito aos trabalhadores rurais “não tem o condão de descaracterizar a violação aos direitos fundamentais desses trabalhadores, da mesma forma que, salvaguardadas as devidas proporções, o fato de alguns brasileiros estarem absolutamente adaptados à fome, à miséria e à falta de perspectiva futura não minimiza a gravidade da violação aos seus direitos mínimos”.
A relatora considerou que a reclamada “descumpriu sua obrigação de prover condições de trabalho adequadas e de zelar pelo bem-estar de seus empregados” e que os fatos comprovam a existência de efetivo dano moral, “porque causadores de humilhação e sofrimento íntimo”.
Horas extras
Com relação às horas extras, a trabalhadora sustenta que “é devido o pagamento, com extra, dos períodos em que permanecia à disposição do empregador, antes e depois da jornada anotada (das 6h40 às 7h00 e das 16h00 às 16h20 na safras e das 17h15 às 17h30 nas entressafras)”. A relatora concorda, e afirma que “após deixarem os ônibus, os trabalhadores imediatamente passavam a se ocupar de tarefas correlatas ao trabalho em sentido estrito, como preparar as ferramentas para o corte e se dirigir ao eito que lhes havia sido atribuído pelo fiscal, onde se ativariam no corte da cana. Da mesma forma, no final da jornada, mesmo após o término do corte, ainda se ocupavam em guardar as ferramentas, retornar à condução e se higienizar”.
Consta nos autos que a própria reclamada, em sua defesa, “reconhece a existência de labor já após o desembarque, ocasião em que os trabalhadores se ativavam em ‘preparativos inerentes à atividade de colheita de cana-de-açúcar (retirada de ferramentas e distribuição de eitos)’”. A relatora concluiu que “há clara confissão da existência de trabalho no período em questão, ou, no mínimo, de que os trabalhadores se encontravam, no período, à disposição do empregador, nos moldes previstos no artigo 4º, da CLT”. Portanto, concede à autora provimento ao pedido, deferindo-lhe o pagamento, por dia laborado, “de 40 minutos a título de jornada extraordinária, com o acréscimo legal e com repercussão em DSR’s, salários trezenos, férias acrescidas do terço constitucional e FGTS, acrescido de 40%”.
Horas in itinere (de percurso)
Dos pedidos da trabalhadora, o único negado pela relatora foi a reforma da sentença quanto às horas in itinere. No entendimento da autora “a pactuação coletiva prevê o pagamento de horas de percurso em tempo inferior ao efetivamente gasto, pugnando pela observância estrita do parágrafo 2º do artigo 58 da CLT”. A relatora não concordou. Para ela, “a fixação de horas in itinere mediante negociação coletiva se torna perfeitamente possível em virtude da aplicação do Princípio do Conglobamento”, em que podem ser pactuadas em convenções e acordos coletivos de trabalho cláusulas aparentemente desfavoráveis aos trabalhadores, ao lado de outras que estipulem benefícios protegidos pelas normas positivas, sem que o resultado global da avença coletiva seja considerado necessariamente prejudicial”.
Em sua conclusão, ficou demonstrado o pagamento das horas de percurso “nos exatos termos da pactuação coletiva, motivo pelo qual nada é devido à autora a este título”. (Processo 133900-53.2008.5.15.0100 RO)
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