sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

TRT 15.ª Região - Empregada de tecelagem exposta a diversos constrangimentos será indenizada

Por Ademar Lopes Junior

A reclamante trabalhava em empresa de tecelagem de renome nacional, na unidade de Artur Nogueira, mas cansou-se de ser maltratada e buscou, na Justiça do Trabalho, além do pagamento de verbas devidas, indenização por danos morais. Ela conta que vivia sob pressão, sendo “vigiada” por um cronometrista. Conta também que tinha de usar o banheiro sem portas privativas, sofria revistas pessoais e em seus pertences, tinha que revirar o lixo do setor e era destratada pelo superior com palavras ofensivas. A reclamada, por sua vez vez, afirmou que não “praticou conduta ilícita a ensejar os alegados danos morais”.

Para a trabalhadora, contudo, foram muitos os danos, frutos de ofensas morais, registrados durante o período em que prestou serviços à reclamada. Ela conta que havia, em cada célula de trabalho, um cronometrista, responsável por marcar “o tempo que a funcionária leva para realizar suas funções e também para ir e voltar do banheiro e do almoço”. Quando esta demorava um pouco mais, ele questionava sobre os motivos da demora no banheiro e junto ao refeitório, e enviava relatório ao supervisor.

A empresa não negou a existência do cronometrista (sendo quatro, no total, para toda a produção na unidade de Artur Nogueira), mas negou que tivesse por função fiscalizar os trabalhos dos funcionários. Segundo ela, esse profissional servia para “oferecer subsídios para as diversas áreas da empresa, calculando o tempo padrão médio da produção de cada célula, levando-se em consideração as pausas para descanso, ginástica, consumo de água e higiene dos funcionários”.

Uma das testemunhas ouvida nos autos disse, porém, que o cronometrista entregava o relatório ao supervisor e depois havia “cobrança nas reuniões sobre esse relatório, inclusive do tempo que foram ao banheiro”.

A trabalhadora reclamou também quanto à falta de esclarecimento em relação às metas de produção e aos critérios para pagamento dos respectivos prêmios, e revelou que havia um clima hostil no ambiente de trabalho, em parte devido aos supervisores que orientam os funcionários a fiscalizarem um ao outro. A mesma testemunha também confirmou que “os colegas da célula também cobram produção da pessoa que voltou do afastamento” e que “o supervisor manda resolver o problema com os próprios colegas”. Outra testemunha afirmou que “quando o funcionário volta do afastamento ele é colocado na produção mais elevada e que isso cria até conflito dentro da própria célula”.

O Juízo de primeira instância concluiu que a conduta da reclamada em impor metas de produção aos seus empregados, sem defini-las clara e objetivamente, é “totalmente irregular e opressiva”. E acrescentou que essas metas, por serem estabelecidas por grupo de trabalhadores, fazendo com que estes fiscalizem um ao outro, tornam insuportável o ambiente de trabalho. A sentença salientou que deste modo, a reclamada “economiza no trabalho do supervisor, já que os próprios colegas de trabalho assumem esta tarefa de advertir aquele que não esteja produzindo a contento, seja qual for a razão disto, para não serem prejudicados em seus salários”.

A sentença considerou “claramente humilhante e constrangedora, ainda, a presença de um cronometrista durante toda a jornada, medindo, precisamente, minuto a minuto, o tempo de efetivo trabalho do empregado, bem como de suas pausas para refeição, tomar água e usar o banheiro”. E ressaltou que ainda que o objetivo da empresa fosse “levantar dados e dar subsídios para as mais diversas áreas da empresa (como possibilitar ao departamento de vendas calcular o prazo de entrega dos produtos, ou, ao departamento da produção calcular a distribuição dos produtos na linha de produção), certo é que o resultado que também se alcança com esta situação é a pressão exagerada e incabível imposta sobre o empregado, que trabalha sob a vigilância ostensiva de cada passo, inclusive quanto se dirige ao banheiro para necessidades pessoais, violando-se, assim, claramente, sua vida privada e intimidade”, e ressaltou que “para se obter as informações que dão subsídios aos diversos departamentos da reclamada, está claro que estas não necessitam ser, assim, tão precisas – segundo a segundo – a ponto de ser cronometrado o tempo de trabalho e de pausas do funcionário, tampouco se justifica que esta medição seja feita na presença do empregado e de forma nada discreta, submetendo-o a rigorosa pressão”.

A sentença condenou a empresa a indenizar em R$ 15 mil a reclamante pelos danos morais sofridos.

Sem privacidade

A retirada das portas dos banheiros privativos foi justificada pela empresa para serviços de manutenção tendo em vista frases de baixo calão que nelas havia. Uma testemunha disse que o banheiro ficou sem portas por mais de uma semana. Além disso, as funcionárias eram obrigadas a driblar o serviço de limpeza do banheiro que era feito por um faxineiro (homem), responsável também pela limpeza dos banheiros masculinos. Segundo ainda a testemunha, esse faxineiro permanece no local, mesmo quando a funcionária está no banheiro,  e bate na porta para pegar o lixo.

A sentença considerou que “nada há de incorreto quanto ao procedimento da reclamada, de retirar portas privativas dos banheiros, para efetuar regular manutenção”, mas ressaltou que é “desnecessária e descabida a retirada de todas as portas, de única vez, impondo situação constrangedora e vexatória aos empregados compelidos a utilizar o banheiro, sem qualquer privacidade”. Porém, com relação ao faxineiro, considerou que “esta situação não se justifica (nada obsta a que a reclamada disponibilize faxineira para limpeza do banheiro feminino), e fixou a indenização por este dano moral em R$ 2.500.

A trabalhadora se queixou também das expressões ofensivas proferidas pelo supervisor. A defesa não contestou tais alegações. Foi a testemunha que contou, em detalhes, que o supervisor “não tinha respeito com as funcionárias; que virava o lixo em cima da mesa e fazia as funcionárias o pegarem, que dizia que no final do turno estavam todas as funcionárias debruçadas com seus ‘b.....’ na mesa e as chamavam de porcas também”. Ela também afirmou que as trabalhadoras “não podiam fazer um lanche na célula, nem mascar chicletes, pois o supervisor falava que ficavam ‘ruminando’”. E nas reuniões em que era discutida a produção, “ele xingava individualmente as funcionárias de porcas, de incompetentes e de burras”.

O Juízo entendeu que ficou bem demonstrado o modo desrespeitoso com que o supervisor da reclamada tratava as empregadas que estavam sob sua subordinação, “humilhando-as com palavras ofensivas, publicamente”. A empresa informou que esse supervisor não trabalha mais empresa. Mesmo assim, a sentença condenou a empresa a reparar mais este dano moral causado à reclamante, pagando-lhe a importância de R$ 3 mil.

Revistas

As revistas eram pessoais, mas também eram feitas nos pertences da reclamante. Ela disse que era “obrigatória a utilização de sacolas, fornecidas pela reclamada, de forma discriminatória, apenas por alguns dos funcionários, para ingresso na produção com pertences pessoais, sendo vedado o uso de bolsas particulares na área da produção”. A empresa rebateu, dizendo que “as revistas ocorriam de forma eventual, sem causar constrangimentos, procedidas por enfermeiras, no interior do ambulatório médico”, e completou dizendo que, “a partir de julho de 2008, para evitar tais revistas, a reclamada passou a fornecer sacolas personalizadas aos funcionários, para que estes pudessem ali levar pertences pessoais para os locais de trabalho, já que as bolsas deveriam permanecer num armário reservado, não sendo permito o ingresso destas nos postos de trabalho”. A sentença considerou as revistas uma “violação à privacidade e à intimidade da autora” e por isso condenou a empresa em R$ 10 mil, a título de indenização por danos morais.

A sentença, porém, não considerou dano o fato de a trabalhadora revirar os lixos do setor. A reclamante disse que “era obrigada a virar todos os lixos do setor no chão para retirar destes as etiquetas, os retalhos, os plásticos, os copos e demais produtos e lixos”. Ficou provado que esta tarefa era realizada, inicialmente, pelo próprio supervisor e por outras funcionárias, e tinha por objetivo separar o efetivo lixo da seção dos materiais que seriam reaproveitados, como restos de tecidos e etiquetas.

Segundo uma das testemunhas, “havia um cesto de lixo adequado para cada material (reaproveitável e lixo comum), o que não era observado pelas funcionárias, já que estes se misturavam, o que acarretava a tarefa de separá-los”. Apesar de a testemunha ter declarado que as funcionárias responsáveis por tais tarefas eram “alvo de chacotas das demais colegas, por estarem separando lixo”, a sentença não constatou conduta ilícita da reclamada, que acarretasse clara humilhação à reclamante.

O Juízo da Vara do Trabalho de Mogi Mirim julgou parcialmente procedentes os pedidos da reclamante e condenou a empresa, entre outros, a pagar à trabalhadora indenização total por danos morais no valor de R$ 30.500.

A empresa recorreu, inconformada com a sentença. Ela se opõe à condenação em indenização por danos morais. Em sua defesa, ela afirma que “a reclamante não poderia ter sofrido os danos alegados na inicial, uma vez que desde 20/12/2006 até a data da propositura da ação encontrava-se afastada de suas funções, em virtude de um acidente de moto”.

A relatora do acórdão da 8ª Câmara do TRT, desembargadora Erodite Ribeiro dos Santos De Biasi, lembrou que “a autora ficou afastada de 20/12/2006 a 17/12/2007 e, novamente, de 16/02/2008 a 31/03/2009 e não a partir de 20/12/2006 até o ajuizamento da reclamatória (16/01/2009), como alega a reclamada”. Ressaltou que “o contrato desenvolveu-se a partir de 03/10/2005, não havendo notícia do distrato” e assim, a trabalhadora trabalhou “antes do ajuizamento da reclamatória nos períodos de 3/10/2005 a 19/12/2006 e de 18/12/2007 a 15/02/2008, interregnos em que poderia em tese sofrer os danos morais alegados, pois prolongaram-se no tempo”. E observou que “o período de suspensão contratual não exclui o direito às indenizações”.

O acórdão considerou que há “nítida invasão à intimidade do trabalhador, computando-se, inclusive, o tempo de uso de banheiro e alimentação, com cobranças posteriores”. Além disso, “o salário-produção possui critérios de cálculo desconhecidos dos funcionários, não havendo como estes aferirem seus ganhos, previamente”. Também considerou que “é óbvio que, uma vez considerado o tempo de produção de cada célula, um funcionário exerceria pressão sobre outro, para aumentar o próprio ganho”, e nesse sentido, o acórdão está conforme a sentença originária, de que “quanto a um empregado fiscalizar o outro, tornando insuportável o ambiente de trabalho, trazendo apenas ganhos à empresa, que economizaria com o valor do salário de um supervisor.

Em conclusão, a decisão colegiada acompanhou a decisão de origem e manteve as indenizações por danos morais, reduzindo apenas o valor de R$ 15 mil para R$ 10 mil, “face à observância dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade”, referente ao cronometrista, por entender que esse valor é “suficiente para compensar o dano da reclamante e coibir as mesmas práticas por parte da empresa”. (Processo 0008500-35.2009.5.15.0022)







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