domingo, 24 de abril de 2011

TRT 3.ª Região: Juiz decide com base nos princípios da boa-fé e da justiça e evita fechamento de associação beneficente

A CLT define, no parágrafo 2o do seu artigo 511, a categoria profissional como sendo aquela formada por pessoas que têm condições de vida semelhantes, decorrentes da profissão ou trabalho em comum, em situação de emprego na mesma atividade econômica ou em atividades econômicas similares ou conexas. Essa definição é levada em conta no momento de se estabelecer qual sindicato representa os interesses dos trabalhadores de determinada categoria. No entanto, o que parece tão claro no papel, na prática, não é. Há mesmo muitas situações nebulosas e de incerteza, quanto à representação dos empregados, e, por conseguinte, da destinação das contribuições sindicais, o que acaba gerando disputas judiciais entre entidades sindicais e, por vezes, entre empregadores e sindicatos. Um desses casos foi decidido pelo juiz Júlio Corrêa de Melo Neto, na 40a Vara do Trabalho de Belo Horizonte.

O Sindicato dos Empregados em Entidades Culturais, Recreativas, de Assistência Social, de Orientação e Formação Profissional no Estado de Minas Gerais ¿ Senalba-MG, dizendo-se representante dos empregados da Associação Projeto Providência, propôs ação pedindo a condenação da associação ao pagamento de diferenças salariais e reflexos, pela aplicação da cláusula de reajuste salarial, além do pagamento da contribuição sindical dos últimos dez anos. O autor requereu, ainda, que o Juízo declarasse a obrigatoriedade de a ré cumprir as convenções coletivas de trabalho dos anos de 2003/2004, 2004/2006 e 2007/2008. Antes de entrar na questão central, o juiz admitiu no processo, como assistente, o Sindicato dos Empregados em Instituições Beneficientes, Religiosas e Filantrópicas do Estado de Minas Gerais ¿ Sintibref-MG, por entender que a entidade em questão tem interesse jurídico na solução do processo, pois ambos os sindicatos disputam a mesma base de representação.

Para decidir o caso, o juiz orientou-se pelos princípios da boa-fé e da justiça e pela observação da realidade. Ele concluiu que há proximidade de bases de representação entre as entidades sindicais. O sindicato autor firmou convenção coletiva de trabalho com o Sindicato das Entidades de Assistência Social, de Orientação e Formação Profissional no Estado de Minas Gerais ¿ Senasofp-MG e o sindicato assistente da reclamada, com o Sindicato das Instituições Beneficientes, Religiosas e Filantrópicas do Estado de Minas Gerais ¿ Sinibref-MG. Então, em um olhar mais superficial, fica mesmo dúvida a respeito de quem representa os empregados da reclamada, uma associação civil sem fins econômicos, de caráter filantrópico e natureza educacional, cultural e assistencial, que busca na valorização do ser humano a sua inspiração de atuação. O juiz considerou que, diante da dúvida, não se pode deixar que as instituições beneficentes se afundem no meio do embate sindical pela disputa de bases e, até que se resolva a questão da representação, não é correto impor a essas entidades um gigantesco passivo trabalhista.

Como bem lembrou o magistrado, várias instituições beneficentes prestam primoroso e indispensável trabalho social em nosso país, levando um pouco de dignidade às comunidades carentes e suprindo a incapacidade do Estado, em implementar políticas públicas de bem-estar social. E uma delas é a Associação Projeto Providência, ré no processo. Em consulta ao sítio www.arquidiocese-bh.org.br/projsociais/default.asp, ele constatou que a reclamada está ligada à Arquidiocese de Belo Horizonte, sendo uma entidade filantrópica que atende a crianças e adolescentes de 07 a 18 anos de idade, em situação de risco social, violência familiar e pobreza extrema. O Projeto, coordenado pelo Padre Mário Pozzoli, vem atuando como agente transformador na vida de milhares de pessoas e conta com 178 empregados, todos contratados e remunerados conforme as leis trabalhistas.

Os documentos do processo reforçam as informações do sítio e ainda demonstram o reconhecimento do trabalho feito pela Associação e seu coordenador, que, entre muitos outros prêmios e condecorações, recebeu na Alemanha, em 2001, o prêmio da UNESCO, pelos excelentes resultados do projeto, e o INBRAP conferiu ao Projeto Providência o certificado Top of Mind Brazil. Isso demonstra, assentada na documentação trazida aos autos, que a ré é uma entidade beneficente séria, sem fins lucrativos, e isso é sua característica essencial. Trata-se de entidade bem sucedida no esforço de promover dignidade a comunidades carentes e que se viu em sério risco pelo, data venia, feroz avanço do sindicato autor, postulando diferenças várias e contribuições sindicais de 10 anos, ressaltou. Tanto que o preposto da associação, o Padre Mario, chorou na audiência realizada, diante da possibilidade de todo esse trabalho tão sério e devotado virar cinzas.

Ao indeferir todos os pedidos formulados pelo sindicato, a sentença foi enfática: Por tudo que aqui se afirma e com fincas no princípio da boa-fé e da segurança jurídica, recusa-se, perempetoriamente, a impor golpe duro, quem sabe fatal, à associação beneficiente, porque ela trilhou a reta senda, observou normas coletivas negociadas firmadas por entidades que se afiguram, ao seu sentir, e ao de qualquer um, representativas de entidades beneficentes ¿ Sintibref-MG

Mesmo diante de um cenário turvo de representação sindical, conforme ponderou o juiz, a Associação acabou encontrando corretamente o sindicato que representa seus empregados, adotando o critério da especificidade. O Sintibref é o sindicato dos empregados em instituições beneficentes, religiosas e filantrópicas. A reclamada, por sua vez, além de ser uma associação beneficente e filantrópica, tem ligação religiosa, já que se encontra sob a zelosa condução de um Padre. Logo, sob o enfoque da especificidade, não pode pairar dúvida de que o Sintibref-MG representa os empregados da Associação Projeto Providência e não o Senalba. Por isso, também, não se reconhece a representação dos empregados da Associação Projeto Providência ao autor e, assim, tem-se mais uma razão para indeferir todos os pedidos formulados, finalizou. A decisão foi mantida pelo TRT da 3a Região, tendo sido dado apenas parcial provimento ao recurso do Senalba, para excluir a condenação por litigância de má-fé.



( nº 00987-2007-140-03-00-8 )












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